Há quase três décadas, os candidatos em campanha eleitoral repetem uma frase que já se tornou quase lugar-comum: “Sem educação não há salvação”. A afirmativa é absolutamente verdadeira e, portanto, convenientemente reproduzida por governantes, parlamentares, entidades de classe e grande parte da intelectualidade brasileira. Por outro lado, raros são aqueles que, constatando que a salvação até hoje não veio, perguntam-se qual a razão disso. O que sucedeu?
Não há respostas oficiais convincentes. A dura realidade mostra que o Brasil será sempre um país desigual, injusto e violento enquanto perdurar o descaso com a ética e a educação por parte da maioria dos governantes, que insiste em não tratar tais questões como políticas de Estado. Muitos deles entendem ser suficiente a destinação do percentual orçamentário previsto na Constituição Federal, ignorando solenemente que a mudança do panorama atual exige muito mais.
Esse comportamento também pode ser atribuído à passividade de uma sociedade civil egoísta que é incapaz de se revoltar e se indignar com a falta de compromisso dos governantes em relação a um assunto que é fundamental para o desenvolvimento do país e um direito fundamental dos cidadãos.
As discussões hoje são dominadas por questões como tecnologia 5G, inteligência artificial e neo-industrialização, certamente importantes, mas que não deveriam ser postas como o cerne do debate, uma vez que as mudanças mais importantes e urgentes ao país são as revoluções ética e educacional, sobretudo a pública.
É preciso perguntar sempre: como é possível se formar bons médicos e outros profissionais de saúde, engenheiros de telecomunicação, eletrônicos e industriais, advogados, juízes, e profissionais competentes na área de segurança pública e em outros campos essenciais sem que, antes, o país tenha professores de bom nível, capacitados, dedicados, atualizados e bem-remunerados? Esta é a base da revolução que verdadeiramente importa.
A história recente apresenta vários exemplos de como, em poucas décadas, a educação transformou países com economias mais fracas que a do Brasil. É o caso da Coreia do Sul, que apostou na educação e experimentou fantásticos progressos social e econômico.
De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), em 1980 o PIB per capita daquele país asiático correspondia a 17,5% do PIB per capita dos Estados Unidos, menos da metade do PIB brasileiro no mesmo ano (39% do PIB per capita norte-americano). Exatos 42 anos depois – período curto historicamente -, o PIB per capita da Coreia do Sul passou a representar 66% do PIB per capita dos norte-americanos, enquanto o do Brasil caiu de 39% para 25,8%. A diferença de performance foi colossal, conforme comprovam esses números.
A evolução e a seriedade na condução das políticas públicas alavancaram a economia e o bem-estar da Coreia do Sul. Enquanto a produtividade média da indústria sul-coreana cresceu à razão de 4,3% ao ano, a do Brasil patinou em meros 0,7% ao ano. Em consequência, no mesmo período os salários tiveram aumento real de 4,3% ao ano na Coreia do Sul, ante apenas 0,3% no Brasil.
O que mais é necessário para as autoridades enxergarem que, além da verdade e seriedade no trato da coisa pública, a tal salvação somente virá com a revolução no sistema educacional brasileiro?
A evolução do sistema educacional precisa contemplar uma série de adequações e inovações já apontadas por especialistas, muitas das quais foram adotadas com sucesso por nações que experimentaram grande e rápida evolução graças à aposta na educação como agente transformador da sociedade.
A primeira delas é erradicar o analfabetismo, situação que ainda envergonha o Brasil. Será impossível cumprir a meta do Plano Nacional de Educação (PNE) de acabar com o analfabetismo até 2024. O país ainda tem 9,6 milhões de analfabetos com 15 anos ou mais, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, divulgados na segunda semana de junho.
Essa taxa vem caindo gradualmente, é verdade, porém a ritmo muito lento. Era de 6,7% em 2015 e em três anos diminuiu para 6,1%. Ainda temos uma legião de analfabetos funcionais e a triste constatação de que 56% dos alunos do segundo ano do ensino fundamental não tinham capacidade
básica de leitura nem de escrita em pleno ano de 2021. Reportagem do jornal O Globo mostrou que foi sofrível o desempenho de crianças brasileiras do quarto ano do ensino fundamental na edição daquele ano do Estudo Internacional de Progresso em Leitura. Dentre 65 países que participaram do estudo, o Brasil ficou apenas na 59ª posição, atrás de países como Turquia e Uzbequistão. De acordo com a reportagem, mais da metade das crianças brasileiras não é alfabetizada na idade certa, e apenas 43% já aprenderam a ler aos 8 anos.
Ademais, é vital garantir a universalização do ensino, combater a evasão escolar e assegurar que mais jovens tenham acesso aos cursos superiores.
O caminho é longo e não admite atalhos. É preciso oferecer ensino fundamental I e II e ensino médio em tempo integral. Uma meta factível seria atingir 25% da rede pública nesse modelo em 4 anos, evoluindo para 50% em 8 anos. Ou seja, em apenas dois mandatos presidenciais seria possível oferecer ensino fundamental à metade de todos os alunos do ensino fundamental e do ensino médio no país, o que já garantiria uma mudança de patamar.
Imprescindível também é assegurar remuneração dos professores da rede pública em tempo integral e, quando não em tempo integral, priorizar suas atividades em turno extra na mesma escola, evitando gastos e dispêndio de energia desses professores. As metas devem ser definidas por profissionais do setor, que conhecem a fundo as peculiaridades e carências da atividade.
O país precisa ainda adotar um novo programa de capacitação dos profissionais da educação, com cursos e treinamentos providos pelo governo, de forma a manter os professores atualizados e motivados.
O novo modelo não pode prescindir de um plano de cargos e salários, bem como de plano de carreira para os professores, com implantação e cumprimento obrigatórios, a fim de se evitar solução de continuidade com mudanças de governo.
Fundamental também é a construção de novas escolas para receber alunos em tempo integral, providenciando, onde possível, ampliações e modernização dos estabelecimentos existentes, evitando-se gastos desnecessários.
Prover segurança e transporte para professores, alunos e servidores é outra necessidade que se impõe como estímulo principalmente aos profissionais que se dedicam em estabelecimentos localizados em áreas mais afastadas e com maiores índices de violência.
Imprescindível ainda a atualização da grade curricular, de modo a compatibilizá-la às novas tecnologias, profissões e demandas do século XXI, sem ignorar o ensino de línguas estrangeiras e de computação, além de especial atenção à matemática.
A política de creches também precisa ser revista, de forma a atender às necessidades das mães que precisam trabalhar para contribuir no sustento da família – quando não são as únicas provedoras – e oferecer educação infantil de qualidade.
É igualmente necessário reforçar a merenda escolar para que supra as necessidades alimentares a fim de que as crianças possam assimilar melhor os ensinamentos e se desenvolver intelectualmente.
A revolução na educação forma cidadãos melhores, profissionais mais capacitados, mentes criativas e inovadoras e o resultado é sempre um salto no desenvolvimento do país, como já demonstram os exemplos de várias nações. Há salvação, sem dúvida.
*Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br