Em Outubro de 2008 foi suspensa a comercialização do Rimonabanto, um medicamento utilizado para redução do apetite e emagrecimento. O seu efeito de bloqueador de receptores do sistema Endocanabinóide diminuía o apetite e a voracidade ao comer, mas tinha como efeito colateral grave a incidência de sintomas depressivos e risco suicida. Nunca mais o medicamento foi liberado, com toda razão.
Estava eu assistindo uma aula sobre o sistema e a Medicina Canabinóide quando um experimento em especial chamou a minha atenção: deram para um grupo de ratinhos um medicamento com ação parecida com o Rimonabanto: bloqueio de receptores canabinóides CB1. Os ratinhos não ficaram deprimidos, mas eu diria, ficaram um tanto desmotivados. Não estavam nem aí para as ratinhas, nem para a procriação. Pode-se dizer que os ratinhos ficaram meio folgados. Em vez de tentar chegar nas ratinhas, ficaram mais focados em si mesmos: faziam mais massagens, lambiam seus pelos e relaxavam. Se pudessem, iam tirar umas selfies e publicar suas fotos sem camisa, do lado de carrões. Não há notícia sobre o comportamento das ratinhas, mas eu imaginaria que elas usariam roupas mais curtas, colocariam silicone e tirariam fotos com trajes provocativos para tentar chamar a atenção dos ratinhos entediados. Os ratinhos, por sua vez, devem ter se achado o último pedaço de queijo do criadouro e ficaram mais narcisistas. As ratinhas começaram a publicar nas redes sociais muitos posts falando de ratos narcisistas e como elas deveriam melhorar sua autoestima para não cair na cilada de ficar correndo atrás deles. Espera aí? Estamos mesmo falando de ratos?
O bloqueio desses receptores diminui a capacidade de experimentar prazer e o comportamento de busca: alimentos, procriação, abrigo. A perda dessa força motriz leva a apatia e à perda de prazer. Mas o paralelo com o que estamos vivendo coletivamente é muito evidente. Estamos numa epidemia de ratinhos narcisistas.
Apesar de tantos avanços na derrubada de machismos e outras formas de violência contra o Feminino, talvez a maior violência seja a transformação da vida sexual numa commodity, um bem de consumo. Os aplicativos de
“relacionamento” viram uma espécie de catálogo sexual, com várias opções e, pior, a sensação de que, se eu ficar com uma pessoa, estou perdendo outras mil. Uma doença de nossa civilização digital é o FOMO – Fear of Missing Out, o medo de estar aqui, perdendo outras baladas, outros rolês, outros beijos. Parece coisa de adolescente e foi descrita como um comportamento adolescente, mas veja que essa sensação já contaminou muitas faixas etárias, gerando uma busca infinita que vai terminar numa espécie de Burnout afetivo.
O excesso de estímulo leva a apatia. Como no caso dos ratinhos, essa apatia leva a ratinhos e humanos muito entretidos com o próprio umbigo. É só olhar nas Redes Sociais (Sociais?), e vamos ver as postagens de queixa dos narcisos olhando o espelho. Ou publicando selfies quase sexies (gostei da rima). O estudo é uma reprodução fiel do que estamos vivendo. Ratinhos se lambendo e ratinhas ressabiadas.
Acho que as mães devem ensinar a seus filhos que pornografia não é boa vida sexual, que pegar todo mundo pode ser uma fase da vida, mas que uma hora termina no vazio. Mas a lição mais profunda é que as pessoas não são coisas, e coisificar o outro é coisificar a si próprio.
Está na hora de se ensinar que as relações presenciais são as mais legais e insubstituíveis na vida. Mas vão ter que tirar o smartphone do centro de suas vidas para começar essa conversa.
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”