Cleia Farinhas*
Para enfrentar com lucidez os impactos da pandemia na rotina escolar, parece fazer sentido contextualizá-la como um fenômeno para o qual não fomos convidados e muito menos estávamos preparados para viver. A paralisação das aulas presenciais atingiu simultaneamente 1,570 bilhão de estudantes ao redor do mundo e trouxe à superfície questões cruciais, a muito tempo debatidas no meio educacional, a respeito da necessidade de incluir no currículo a valorização de habilidades e competências socioemocionais para além do recorte do conteúdo formal dos componentes curriculares, bem como insistir na diversidade de abordagens e recursos tecnológicos que viabilizem o direito de aprender com mais autonomia e sentido – aspectos que, por vários motivos, foram sistematicamente negligenciados no chão acadêmico até que, por motivo dessa força maior, tiveram de sair voando do papel e do discurso para a prática não-presencial.
Não sem razão, recente nota técnica da Unicef refere-se a essa dolorosa experiência globalizada como o experimento de maior alcance na história da Educação ao redor do mundo, chamando a atenção para tudo o que teve de ser modificado ou adaptado – porque a escola, assim como a vida, não parou. Considerando a rotina abruptamente transferida para as aulas não-presenciais, ressurge com força a preponderância do papel de professores e professoras sob condições adversas, como redução de salários e de carga horária, falta de planejamento, familiaridade ou de recursos para produção de aulas remotas que atendam à uma interlocução eficiente, já que o cérebro de seus alunos tem dificuldade de tornar inteligível grande parte das informações que antes absorvia por meio das interações presenciais.
A partir dessa circunstância, parece então razoável trazer à reflexão os sentimentos (stress, frustração, tédio, depressão, solidão) dos profissionais da Educação que, a exemplo dos profissionais da Saúde, têm como objeto fundamental do ofício o relacionamento face-a-face – e neste momento estão na linha de frente dos serviços essenciais. Segundo pesquisa recente do Instituto Península, já no início do isolamento social, em uma amostra de 7 mil professores com média de 11 anos de experiência nas Redes Pública e Privada de todos os estados brasileiros, 83% se sentiam despreparados para o ensino remoto; 88% deles nunca tinham dado aula de forma virtual antes da pandemia; 75% gostariam de receber apoio e treinamento neste sentido mas três em cada quatro professores revelaram que não receberam nenhum suporte emocional das escolas durante o período de quarentena.
Esses dados sugerem uma realidade preocupante do quadro docente, em relação a sentimentos de ansiedade e sobrecarga (53% dos respondentes), à preocupação com a saúde mental e física dos alunos (respectivamente 27% e 24%), seguida da saúde física da família (22%).
Não obstante, na contramão do conselho de emergência “primeiro em si, depois na pessoa que estiver ao seu lado”, o dado que chama a atenção e sinaliza para uma providência importante é o baixo percentual de respondentes (apenas 20%) preocupados com a própria saúde mental e física, em detrimento de preocupações com outros atores do processo, sendo o professor um dos protagonistas. Em meio à discussão sobre um retorno iminente e necessário à rotina presencial nas escolas, sobram perguntas que urgem respostas: como os professores ajudarão a outros se não tiverem priorizado o autocuidado? Que condições concretas tiveram antes e durante a pandemia para que isso fosse possível? E se lhes faltou cuidado, quem afinal, cuidará deles na iminência do mergulho necessário na atividade presencial com todos os desafios que virão?
Não resta dúvidas que a escola, com todo o seu aparato de gestão e de infraestrutura, seja co-responsável por priorizar, nesse momento, o acolhimento dos seus professores, antes mesmo dos alunos e suas famílias, por meio de programas de escuta ativa, intenso respeito à individualidade desses sujeitos, adaptações de infraestrutura física, acompanhamento para as mudanças de calendário, processos de avaliação diagnóstica e retomadas de conteúdos essenciais e de treinamento para o cumprimento dos protocolos necessários para a preservação não só da saúde física, quanto da segurança e bem-estar das emoções e da mente.
Só assim restauraremos a escola em sua plenitude, a partir das lições deixadas por esse evento mundial, reafirmando-a como “o lugar” insubstituível onde se ensina e, de repente, se aprende.
*Cleia Farinhas é gerente pedagógica do Sistema Positivo de Ensino.