Neste momento de pandemia, iniciativas legislativas que visem reequilibrar as condições econômicas de pessoas físicas e jurídicas são bem-vindas e necessárias
Por Edson Vismona
Fomos atingidos em cheio. A tragédia sanitária tem exigido dos gestores públicos, parlamentares e empresas concentração total no combate ao novo vírus e na busca de alternativas que, além de salvar vidas – essencial –, possam manter o mínimo de condições para que nosso país não vá à bancarrota.
No enfrentamento das consequências da pandemia, iniciativas estão sendo adotadas para diminuir os efeitos, tanto para a saúde pública quanto para a economia. No Congresso Nacional, uma das propostas foi apresentada na Câmara Federal por meio do Projeto de Lei 1.397/2020, que institui medidas de caráter emergencial destinadas a prevenir a crise e promove alterações, em caráter transitório, de dispositivos da lei que trata a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.
No escopo, entre outras providências, de acordo com o artigo 11 do texto apresentado, as obrigações previstas nos planos de recuperação judicial ou extrajudicial já homologados, independentemente de deliberação da assembleia geral de credores, não serão exigíveis do devedor pelo prazo de 120 dias. Já o artigo 12 do referido projeto permite a apresentação de novo plano de recuperação judicial ou extrajudicial, tenha ou não sido homologado o plano original em juízo.
Já mais adiante (artigo 15), o PL permite a suspensão de atos administrativos de cassação, revogação, impedimento de inscrição, registro, código ou número de contribuinte fiscal, independentemente da sua espécie, modo ou qualidade fiscal, sob a sujeição de qualquer entidade da Federação que estejam em discussão judicial, no âmbito da recuperação judicial.
O Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco) entende que, neste momento de pandemia, iniciativas legislativas que visem reequilibrar as condições econômicas de pessoas físicas e jurídicas são bem-vindas e necessárias. Não obstante, para que não só as condições excepcionais sejam tratadas, mas para que também seja mantido o quadro geral e abrangente de segurança jurídica e ética concorrencial, é desejoso que se façam ajustes no texto do projeto de lei.
No que diz respeito aos artigos citados, destaca-se que, não por acaso, existem as assembleias gerais de credores e os planos de recuperação homologados em juízo. Trata-se de instrumentos que estabelecem prioridades e trazem segurança jurídica aos processos de recuperação judicial e extrajudicial. Do contrário, se ignorados tais dispositivos, correr-se-ia o risco de todo o processo cair em limbo jurídico desconhecido, induzindo-as ao crescimento de contencioso judicial já exorbitante.
A suspensão de sanções, por seu lado, não atende à necessidade de preservar a atividade econômica. Permite, sim, que empresas que já vinham procurando burlar a legislação aplicável e que, por esse motivo, sofreram sanções administrativas, sejam beneficiadas, possibilitando e facilitando a sonegação tributária estruturada e recorrente dos já conhecidos devedores contumazes que organizam o modelo de negócio para nunca pagar impostos utilizando-a como vantagem competitiva para aumentar os lucros, ganhar participação no mercado e prejudicar os concorrentes.
Nesse sentido, é que sugerimos que os artigos 11 e 12 obedeçam ao princípio da segurança jurídica. Mais: que o artigo 15 seja suprimido, não só por ser estranho ao mérito expresso no PL mas, também, para evitar distorções que beneficiem ainda mais empresas que atentaram contra os princípios da concorrência.
Sim, devemos apoiar empresas em dificuldades. Mas estimular quem já teve reconhecidos atos indevidos de sonegação como modelo de negócio, não! Ainda mais neste momento da pandemia no qual temos visto o crescimento dos oportunistas de plantão sempre procurando levar vantagem e se aproveitar do malfadado jeitinho para se beneficiarem de qualquer iniciativa ou brecha da lei, desvirtuando bons propósitos do legislador.
*Edson Vismona é advogado, presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), foi secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo.